Quem sou eu

Minha foto
Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

30 novembro, 2007

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Gi de "Os meus Pequenos Nadas" lembrou-se deste cantinho azul e de mim como "Uma Mulher que faz Pensar", passando -me a corrente. Ora, minhas queridas, não fazemos ,nós todas ,pensar? Claro, que sim... e porque é uma verdade indiscutível, solicito a todas que me visitam ,e não só ,que passem a mensagem, que passem...passem..
Obrigada, GI!
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."Os homens cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim e não encontram o que procuram. E, no entanto, o que eles buscam, poderia se encontrado numa só rosa"

Saint Exupéry

26 novembro, 2007

Sífiso

Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.


Miguel Torga

25 novembro, 2007

Prémio da Amizade.

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Este prémio da amizade que gentilmente me foi oferecido pela amigo: C Valente, que agradeço desde já ,e porque as estradas deste espaço virtual nos unem , em redes de amizade, a vós, que a minha rede vêm visitar, deixo-vos este pequeno laço, com um obrigada..

21 novembro, 2007


Os Novos Imigrantes (II)


-Márcinho vem cá, meu bem.

Mulata quente, de formas redondas e firmes, sorriso de sol amarelo no rosto de trigo maduro, Josira balanceia a sua bundinha no compasso dos passos apressados. Há que levar Márcinho à escolinha e depois ir numa corridinha tomar o cafezinho da manhã. Hoje tem muitos pés e mãos para fazer. Lesta veste o rapazinho. Três anos de sorrisos num rostinho redondo de olhos negros cheios de estrelas. Já pronto puxa-o a si e aperta-o. Sente aquela quentura suave de criança, o morno do corpito ainda lhe escorre nos dedos. Suspira. Márcinho, o seu homem, a sua vida.

Josira fecha a porta do pequeno apartamento. Chama o elevador. As mãos estão cheias, de bibe, casaco, mochilinha. Tudo do seu menino. São horas de o entregar no jardim-escola. Tem ainda que andar um bocadinho, a manhã acordou fria de nevoeiro, o ar gela as narinas, enruga os dedos e corta o bafo quente. Veste o anoraque ao pequeno, põe-lhe o capuz na cabeça, aperta o seu casaco, sente um tremor pelo corpo nem as formas cheias a aquecem, tem que comprar um casacão, mas Márcinho precisa de botas e calças. Terá que esperar. Talvez com um pouco mais de gorjeta, o Natal vem aí, e as clientes são mais mãos largas. Talvez, mas o tempo está preto. Ela que o diga. Pagar a apartamento, a escolinha do seu menino, vestir calçar e comer. Uma doidura. Sempre a fazer conta, sempre. Tem dias que dá vontade mesmo é de chorar, sente-se sozinha quando o seu menino não está. Ter sempre que lutar pelo amanhã, que é cinzento e frio. Tem memória ainda quente do seu Brasil nordestino, da mornura que enche o ar e alaga a pessoa. Aqui é diferente. O português é mais formal, mais frio. É boa pessoa, mas não ajeita o calor que tem, nas gentes em redor, é como tempo. Ora quente de brasio, ora de chuvadas ora gelado de cacimbo e cinzentão, sempre cortado em si, não estende a mão no calor ou no frio dos dias, porém tem coração mole quando se lhe toca a alma. Gente diferente da sua gente. Mas gente do futuro do seu Márcinho.

Está cá já vai para cinco anos, ainda lembra dos primeiros tempos, muito duros, muito magoados, muito cheios de engano. Não conseguira trabalho como sonhara, tivera que deitar mão ao que aparecera. Márcio, o seu marido não arranjara nada. Ele tinha sempre um jeitinho calado, descansado quase molengão. Gostava mesmo era dormir, pegar uma cerveja mais o violão e sentar no cadeirão cantando as modinhas. Um dia partira sem nada dizer e Josira esperara, esperara, em vão, ele não dera mais notícia. Fora cruel, mas Márcinho vinha a caminho tivera que ser forte. Seu menino já era gente, ía dar-lhe futuro, mais do que um violão e feijão, como outros meninos, que ela sabia. Josira chega à escolinha, troca os bons dias com a educadora e entrega-lhe o pequeno.

-Dá um beijão em Mãmãe, dá, meu bem.

-Sim, Mamãe.

O pequeno ergue-se na ponta dos pés beija-a e corre para junto dos seus amiguinhos. O bibe azul balança no corpito à medida dos passitos em corrida. Voa para a sua salinha e entra feliz, com aquele sorriso gaiato que lhe pinta os olhos e arrenha as bochechas. Cá fora, Josira enfrenta o frio que desce do alto para o corpo. Sorri, vai enfrentar mais um dia, rápida dirige-se para o gabinete de estética. É ali o seu trabalho, depois, nas horas mortas ainda vai a casa das senhoras fazer umas mãos, pés ou simplesmente uma maquilhagem. Ela sabe da sua arte, gosta do que faz. Tem dois trabalhos mas dá para sobreviver, e depois sempre foi muito poupada. O seu sonho é abrir uma academia, mas até lá… se acaso algum dia acontecer, tem que labutar o dia-a-dia. Não é fácil mas é melhor do que no seu nordeste onde o desemprego rondava como bicho na toca, a fome era quase um estado e o futuro, o que era isso? Emigrar foi a solução. Deixou a família para trás, e eles são tantos. A sua gente tem filhos como as sementes do maracujá. Muitos e gostosos. O pior mesmo é quando as sementes começam a brotar, aí, não dá ,para o maracujá ficar quietinho na árvore, não dá, não. E depois o fruto cai no chão, fica bichado de podre. É assim a vida, lá na sua terra. Gente que nasce e cai sem nunca se levantar, doente e pobre. O seu Brasil, oh como a saudade rói ,abana a cabeça como que a despedir os pensamentos.

-Bom dia, Dona Isabel, tudo bem?

-Bom dia, Josira, está frio, hem?

-Oi meninas, tudo numa boa?

-Oi, Josira!

Veste a bata, prende os cabelos, pega no cestinho de verga com os vernizes coloridos e respectiva parafernália, no banquinho e na tina de hidromassagem. A primeira senhora está à sua espera.

-Bom dia, Dona Maria Graça. O que vamos fazer hoje, pé ou mão?

-Bom dia Josira, os dois.

Coloca a toalha no cimo da perna quase junto à coxa, dobra com suavidade a perna de D. Maria da Graça, o pé assenta na toalha. Uma olhadela e vê o estado do pé e unhas, o que precisa de fazer. Não estão lá muito cuidados. No Brasil, dona que é dona cuida mais de si. A mulher portuguesa só começa agora, brasileira gosta mesmo de si, de estar gostosinha, de ser mais mulher e menos mãe. O instinto de fêmea prevalece, maternal é consequência. Um pé está pronto, rosado, fino, o outro segue-se-lhe. No final, a cor invade as unhas ,tornando-os apelativos. Não importa ficarem escondidos, haverá tempo de mostrarem assim de nus. Depois é tempo de mãos, Dona Graça tem dedos esguios e bem articulados, e o seu trabalho fica mais bonito, ainda. Vezes há, em que as donas têm mão áspera, de lida, de descuido ou de falta de carinho. Tem visto tanta mão e pé que quase podia contar vidas, mas só pode pensar para ela. Tem sempre que ser simpática, humilde, é o seu ganha-pão que está em jogo e Márcinho vale por todo o pé e mão gretado, inchado ou áspero. Se mamãe e papai tivessem labutado como ela, não teria precisado de emigrar. Mas mamãe e papai não sabiam ler, viviam na casinha que vôvô construíra, fazia tanto, lá no mangues junto à foz do Gurupi, no Maranhão. Eram cinco, ela e mais quatro, tiveram que fazer pela vida, se virar. Estudara o ginásio com bolsa, claro está. Depois trabalhara na Academia, e assim custeara o seu cursinho de esteticista. Voltar ao sítio, só no Natal, já não se acostumava aquela pobreza. Mamãe sem dentes toda descaída, e papai feito pau de goiabão de torcido e enrugado. Sobrava apenas a ternura arrastada das suas gentes, o cheiro de terra húmida quando chovia, o chinelo no pé, o pentear na soleira da casa, a conversa morna de mamãe, o cheirinho do bacuri, do jenipapo, do tamarindo e do jaca, frutas que ainda a fazem salivar de saudade. Lembra-se, quando se sentavam na mesa comprida de pau-d’óleo depois de uma juçara bem molhadinha. Sem se aperceber trinca os lábios cheios, a tez respira o mate, os olhos são castanhos ouro, vestidos de cílios longos que lhe sombreiam o olhar. É bonita, Josira. Mulata vistosa, redonda, gostosa. Ainda tem anos verdes pela frente, sabe-o. Chorou assim de poucochinho o seu Márcio, mas também encolheu logo o coração, e só abriu de mansinho ao seu pequenino. A manhã correu depressa, Josira arruma as coisas, conta as gorjetas e sorri para si. Mais uns dinheirinhos e já pode comprar as botas que viu para o seu menino. Tem duas horinhas e vai correndo para casa de duas clientes. Vai lá fazer-lhe as mãos. Pagam bem, precisa de tudo. O Natal vem aí e quer comprar uma coisa bonita para o filhote e se puder, para ela, também. Tem sido assim, sempre, desde que estão os dois. Márcinho fica tão feliz, as covinhas das suas bochechas riem sempre com a boquinha. É um regalo vê-lo assim. Só ela sabe a tremura quente que sente quando o vê rindo. As lágrimas aquecem-lhe os olhos e mergulham no coração aberto de mãe. Sabe que o amanhã é do seu menino e dela, mesmo com o amanhecer frio, gelado e cinzentão dos dias, mesmo com a luta do seu dia-a-dia, mesmo com a sua solidão de mulher, sabe que um dia vai vencer.

O entardecer vai vestindo o seu capote, no portão do jardim-escola, o sorriso mais lindo do mundo, abre-lhe os bracitos.

-Oi, mamãe querida!



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18 novembro, 2007


Nascer

Grito lançado em espanto

Punhos cerrados em luta,

Esticar e encolher de pernas,

Piscar de olhos inchados,

Pálpebras enrugadas e vermelhas,

Cabelos colados,

Nu em si mas vestido de vida,

Nascer.

Sémen frutificado de um momento,

Fruto macio a madurar,

Em matriz quente e doce de fêmea,

Suspiro prolongado de prazer contente,

Ai de ternura escapado,

Sorriso de gente a espreitar.

Ser.

Nascer e ser …

Maçã verde de labuta trincada,

Romã de bagas doces em beijo dado

Talismã de um amor sonhado

Fruto maduro no ramo já dobrado,

Meu filho, meu ventre, meu amor

14 novembro, 2007



"A arte é um meio, o homem a finalidade"

Almada Negreiros






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11 novembro, 2007

Ázimos…


Na ponta dos dedos gretados, sangrados

A vida.

Rói, magoa, aperta, criva

O pulso latente.

De lutas, desejos, crenças, revoltas

O coração.

Parte, rasga, sangra, cura.

O amor

Da vida, da gente, do ir, do vir

A terra, o metal, o fogo, a água,

Os elementos

Em luta, em desespero, em gritos, em soluços

Unem, acrisolam, rasgam, apagam

O sentir

O mundo renasce, cresce, floresce, adormece

No olhar

Húmido, luzidio, revoltado, magoado

Do lutar.

Em ventres vazios, rasgados, frios,

Já prenhes de sonhos desfeitos,

Já ázimos de futuro,

Túberes do nada!

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09 novembro, 2007

Tarantela II?









Solicita-me Luis de Portocroft que abra o livro que tenha mais à mão, e reproduza a quinta linha da página 161. Abro "Ontem não te vi em Babilónia" deAntónio Lobo Antunes-Publicações D.Quixote.

"-Como diz como diz?
não se lembrava do automóvel, do meu pai, da herdade
-Uma herdade?
nem cálices de cristal nem pratas amolgadas, um candeeiro de borlas que não iluminava o fosse que fosse a não ser a si mesmo, o egoísta, há quase cinco anos que não vejo chover e duas da manhã porque qualquer coisa mudou, os estranhos recuaram a discutir entre si preferindo o esconso dos arrumos a que falta a portada, julguei que a das cataratas se interessasse pela família, a casa, a sua imagem no espelho e mentira, qual família, qual imagem, qual casa..."

É suposto dar continuidade, assim, peço a Arion ,Gabriela Martins, Miosotis e Vida de Vidro que peguem no livro mais próximo e...

08 novembro, 2007

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Os novos Imigrantes. (I)

Vêem de longe, figuras dobradas, olhares esquivos, corpos quebrados de almas perdidas. São de longe das terras do frio e do gelo. Chamam-se Yuri, Ludmila., Boris, Stevelana, Khanda…

Khanda Utsanova é figurinha gentil e apelativa na sua diferença. Eslava por nascimento mas mongol na origem e nos traços que lhe vestem a pele. Grácil no mover, ainda titubeante no expressar, de sorriso no olhar oblíquo e nos lábios cheios. O rosto é espalmado mas aberto. Chegou, vai para cinco anos, veio do frio mesmo perto de Minsk, hoje, vive numa cidadezinha deste país pequenino, quase canteiro, na imensidão da sua Rússia natal. Mas Khanda é menina a crescer na terra onde o sol se põe. Educada, culta, muito pertinente nas apreciações que faz, destaca-se dos demais, não só pelo seu facies, mas sobretudo, pelo seu saber e postura. Não possui os atavios e marcas das suas colegas nem outros sinónimos, é simples por natureza. A mãe, figura de porcelana chinesa exprime-se de forma encantadora pelo hiato de alguns sons mas que no todo perfazem um discurso muito europeu. Tornou-se cabeleireira. Primeiro foi, empregada de limpeza, depois ajudante até que finalmente se balançou no aluguer do andar, e com ajudas conseguiu montar o seu salão de cabeleireiro. Demorou a angariar a clientela, mas ultrapassada a situação, é hoje um lugar de referência na pasmaceira provinciana da cidadezinha. Porque isto de ter a cabeça lavada e penteada por uma russa que sabe de violino, fala três idiomas e serve chá, não é para todos, e até dá um certo status. A vaidade comezinha, tão nacional, transpira sempre pelos poros, sejam eles quais forem. A senhora Utsanova sempre gentil, lava, sorri, esclarece e conta episódios da sua terra branca, onde as dificuldades do quotidiano são relegadas para as traseiras da memória, e apenas o jardim de entrada é recordado. Coisas do coração! Afinal as gentes não são assim tão diferentes.

Ora, num destes dias, Khanda adolescente de primícias intelectuais incomuns, decidiu juntamente com a sua melhor amiga, uma Margarida bem portuguesa, e com a ajuda do seu pai, violinista feito trolha, dar aulas de música aos amigos tão excluídos do saber. Lá conseguiram a cedência de uma sala nas instalações velhas e bolorentas de um edifício corroído de osteoporose granítica. Os sábados à tarde passaram a ter sabores de mazurcas, valsas, minuetes, um sem fim de notas em crescendo, ora agudas, graves ora estridentes ou doces. Os alunos, aliás as alunas, porque nestas coisas o feminino é mais aberto, não chegavam à meia dúzia, as”piquenas-da-mãmã” cujo faz-de-conta -social atraca sempre no cais da importância anafada, as desejosas, mais as que-vieram-só-ver-se-era-giro, e lá se foram sentando. Mas a notícia tem asas, e em breve, o número de candidatos a músicos aumentou e muito, por diga-se, é de bom-tom tocar violino ou então ter um instrumento na sala, em repouso, dá um ar tão, tão de “família”. As pequenas, agora de violino em punho, digo antes, ao ombro, percorriam as cordas do instrumento em harpejos de dó. O Sr. Yuri, como era chamado, o apelido caíra com o cimento dos baldes, penava a bom penar nas tardes de sábado, logo a seguir á catequese, para incutir sentido e amor musical a este bando de gente jovem cujos ouvidos pareciam funis de folha-de-flandres de pernas para o ar. Os sons pareciam esvair-se por outros orifícios que não os ouvidos. Pobre Yuri!

Persistentemente, com a paciência de quem tem que vencer noutras terras, o Sr. Yuri conseguiu, não só criar um bom quarteto de violinos, como ainda despertar o interesse musical à comunidade, que rapidamente se apercebeu dos benefícios, que daí lhe poderia advir., porque incultos poderemos ser, mas parvos, é que não! As autoridades, em tempo de campanha eleitoral, acharam por bem, dar-lhe uma mãozinha a jeito de promessa cumprida, o que afinal é bem raro neste jardim, e providenciaram as instalações condignas bem como alguns meios. Pasmem as almas do burgo, nas noites estreladas, quando as flores se recolhem deixando no ar morno, o aroma doce de boas noites, irrompem então pelo ar pizzicatos e vibratos quase primorosos que amaciam a rudeza da paisagem envolvente. A ignorância musical sente-se apaziguada pela generosidade das gentes da terra. A família Utsanova, de imigrantes de leste passou a ser considerada gente boa e culta, muito trabalhadora e que se adaptou facilmente aos usos portugueses, comendo já alheiras e rancho, deixando para lá as comidas esquisitas deles.

Sentados na saleta singela de móveis mas rica em recordações, os Utsanova como qualquer outra família desta aldeia global, conversam sobre o seu dia-a-dia. Yuri, agora estucador de tectos, obra delicada que só mão de artista sabe executar, anseia por se dedicar á sua música, que lhe brota livre e solta da alma. As aulas de violino acalmam-no um pouco do espatulado diário, mas não o suficiente.Latente está sempre o vibratto que lhe percorre o corpo, e eleva o espírito. Pensa em pauta mas vive nas cordas que a vida lhe teceu. As cordas repuxadas de uma vida sem som, onde fome tantas vezes foi eco de adágios tocados, onde o cinzento da pobreza deslizava no arco plangente do seu violino, onde o futuro era melodia interrompida em sol na pauta da vida. Lentamente, a bruma do sonho materializou-se em desejo premente de melhor dias. Irina, sua mulher, sempre calada e activa deu-lhe a força. Mais do que nunca fizeram sacrifícios, os possíveis e os impossíveis, dias e dias a chá quente e pequenos blinis. Khanda apercebia-se, a sua menina, mas diziam-lhe que estavam a economizar para a sua educação. A pequena aparentemente aceitava. A verdade era outra, precisavam de uma boa quantia para poderem “sair” pois que as passagens não eram nada baratas e, os”grupos” pediam muito. Ele, Yuri, tinha conhecidos em Portugal. Diziam que era uma boa terra, os portugueses boa gente, acolhedores e amigáveis, com as suas manias, mas no fundo ainda eram os menos sectários da Europa. De grão em grão forraram minimamente a carteira. Primeiro veio ele. Chegou via Frankfurt, num dia de sol. Sentiu-se quente ao descer do avião. Uma espécie de calor envolvente que o descansou dos receios guardados no peito. As boas vindas chegaram assim feitas de luz e azul. Yuri respirou fundo e tomou alento. Mais tarde encontrou os amigos que o levaram para a obra. O Encarregado aceitou-o e ele aceitou o trabalho, uma empatia feita necessidade. O primeiro salário foi uma vitória! Sentiu-se um herói, nunca tivera tanto! O ombro feriu-se, as mãos engrossaram e criam calos. A macieza e suavidade dos dedos perderam-se durante meses. Quanto mais duros e calosos, mais baldes eram carregados. As horas não corriam correndo na mira de tempo gasto. Tinha que conseguir!

O Outono, o Inverno e a Primavera passaram, chegou o verão e a família também, uma alegria! Alugara um apartamento, para ele, uma mansão, quase. Dois quartos e uma sala! Irina e Khanda maravilharam-se De maravilha em maravilha a família foi criando raízinhas aqui e ali, e ao mesmo tempo mostrando o seu caule eslavo erecto e firme. A língua, barreira primeira, foi ultrapassada com dicionários, colegas, trabalho, clientes e escola. Saber falar é integrar-se. Conviver é ser conhecido. Mostrar cultura é dar presentes a quem só tem as caixas. E eles encheram-nas, de encanto e cor. Artistas ou apenas sobreviventes? O que importa? Afinal vieram e vieram por bem.

Volvidos cinco anos, afinal já não são objecto de interesse. A Khanda é uma prometedora adolescente, uma excepcional aluna, uma boa violinista, campeã de ténis de mesa e amiga das “piquenas-da-mãmã”. O salão é frequentado por clientes assíduas, endinheiradas e socialmente consideradas. O que era uma novidade tornou-se rotineiro. Ir arranjar o cabelo ao Chez Irina faz parte do quotidiano das senhoras de proa do burgo.” Tem mãos de seda e dá um toque ao cabelo como se faz lá fora. E depois tem bom gosto, sabe falar e o chá? O chá é divino., sempre servido naquele aparelho, o samovar. Um toque fabuloso. Ainda bem que vieram para cá, gente assim é sempre um regalo.”

O Sr. Yuri, já não continua na dança do estuque. Presentemente tem emprego nos serviços municipais no pelouro da cultura. A novel casa da música tem as suas directrizes. Nos entremeios, sentado na sua sala já bem mais recheada vai compondo obras, que um dia quem sabe, serão executadas.

Mas tudo estaria bem se acaso, o velho espírito tão nacional, não guilhotinasse tão de vez em quando. Murmura-se já à boca cheia que o Sr. Yuri, está na Câmara porque uma cliente da mulher, a Sra. Dra. Fulana tal, cujo marido é o não sei que mais, essa digníssima senhora, meteu a cunha, e o marido arranjou-lhe o emprego e vejam só, que o filho do compadre Altino que até estudou no Conservatório, anda aos caídos por Lisboa, e vêem estes fulanos de fora, com uma mão à frente e outra a atrás, e zás, ficam com tudo.

Não há pachorra, não há, não!

03 novembro, 2007





A noite na Ilha

Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.

Pablo Neruda

01 novembro, 2007

OUT OF AFRICA




Yet, love, mere love, is beautiful indeed

And worthy of acceptation. Fire is bright,

Let temple burn, or flax; an equal light

Leaps in the flame from cedar-plank or weed:

And love is fire. And when I say at need

I love thee . . . mark! . . . I love thee--in thy sight

I stand transfigured, glorified aright,

With conscience of the new rays that proceed

Out of my face toward thine. There's nothing low

In love, when love the lowest: meanest creatures

Who love God, God accepts while loving so.

And what I feel, across the inferior features

Of what I am, doth flash itself, and show

How that great work of Love enhances Nature's.

- Elizabeth Browning

From: Sonnets from The Portuguese