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Alguém que ama a vida e odeia as injustiças

27 agosto, 2007

O sr. Sates


Palavroso, olhar vivo, face móvel. Figura esguia de pernas semi-arcadas e magras. Traseiro despido de carnes. Andar gingão, apressado, nervoso. É isso, nervoso, o sr. Sates.

Quem o conhece, sabe que não necessita de jornal a seu lado sobretudo do obituário e desgraças a fins. Num olhar e palavra rápida põe as notícias em perfil. Gosta de ser o centro das atenções.

Personagem viva das estações da vida, o sr. Sates é um ilustre reformado. Daí a sua verborreia sempre que disserta pelos vastos campos do saber ouvido aqui e além, mais acrescido do noticiário e alguma leitura de jornal.

Sim, uma pessoa documentada, porque não está ao alcance de todos discutir os meandros finos da política nacional e regional, saber das flutuações da bolsa, do endividamento dos portugueses, os preços do bacalhau, do pão, mais as fraldas do neto, e o ginásio da sra. Sates. Um homem aberto e actualizado. Porém, pasmem, isto é apenas uma pequena gota no oceano do conhecimento deste cavalheiro.

Não é pessoa bem quista apesar do riso franco, talvez por entre dentes fazer o corte, não é pessoa de amigos, talvez porque os diminui em vez de os mimar. Mas é figura conhecida do meio.

Num destes dias encontrei-o à saída do banco, pois é lugar de sua estima. Talvez para saber o saldo da sua farta conta. Estava um pouco apreensivo.

-Ora viva, não há olhos que o vejam.

-Sabe, tenho andado maleitado.

-Mas o que tem?

-Ora, já fiz as análises todas, mais os exames á prosta e nada, ando assim a modos que, quebrantado. É a estação, sabe eu não gosto do Outono, e ele já vem aí, a passos largos.

-E o médico que diz?

-Que está tudo bem. O "castrol" está bom, não tenho ácido úrico, o PSA também tem os valores certos.

-Então, Sates, está um jovem…

-Ah faço por isso, uma vida muito saudável. Como muito peixinho e nada de abusos. A minha Santa até já se queixa…

-Pois…Ó Sates, você é levado da breca…

E num tom brejeiro o Sates que na boca da sua Flor é um homem de múltiplas forças e andanças, começa a desfiar o rosário das poucas-vergonhas do burgo, de outros tempos, diga-se, e alguns destes, acrescente-se.


-É o que eu lhe digo, o filho da Maria Carrapichana, que tenha a alma em descanso, o Tó das Hortas, deu cabo dos dinheiritos todos com as quengas. Um corrupio… era só ver. E a mulher sabia. Depois meteu-se em negócios de pó, e agora está dentro. A filha que andava a estudar, agora é tão séria como o crivo. O que quer? Vidas. E ele, o malandro, até vem no pasquim da terra.

-Pois…coitado, a vida…

- Ah ,não é de cá, se não já sabia destas vidas. Eu, é que tenho uma vidinha muito decente. Não entro nessas. Não compreendo como é que tendo uma mulher limpa em casa, se anda atrás dessas marafonas. Ai, meu rico dinheirinho., e embalado continua…

-Sabe, eu tive uma estrelinha.,e consegui ganhar muito dinheiro. Foi Deus que me alumiou. Entrei na igreja e conversei com ELE. A partir daí, a vida correu-me bem. Tenho uns bons milhares. Mas sou muito simples…e não me meto em complicações. Só eu e a minha Flor.

Quem o ouvisse, esqueceria a tela real. O Sr. Sates conhecido por uma riqueza rápida, não se sabe vinda de onde, uma língua afiada e solta, uma propensão para maledicência," porque quando se fala dos outros poupa-se o tempo em falar de mim", um desejo incontrolável de falar, falar… desfiando verdades, criando patranhas mas sempre sobre a vida de alguém.

Ora num daqueles dias, estava o sr.Sates posto em observação lá para os lados da Câmara, onde cruzam várias personalidades, e onde obtém muito do seu noticiário, estava, dizia eu, magicando em alguma, eis senão quando, uma dor aguda, grave e esdrúxula, repuxa-o para um banco. Suores frios, desfiaram pela testa, costas e sabe-se lá onde mais. Zonzo de cabeça e língua, tenta pedir ajuda. Lá consegue e ala, lá vai ele a caminho do hospital.

Durante várias horas fez todos os exames e teve repouso, coisa que abomina, porque o descanso é sinónimo de calaceiro, e ele é muito trabalhador. Mas, o pobre do Sates, teve que cumprir. O médico foi peremptório, ou diminuía o ritmo ou ia desta para melhor. Ora se até então, a criatura já vivia obcecada pela longevidade e masculinidade que não desejava ver beliscada, a partir do momento, tornou-se quase eremita de gostos, palavras e acções. Quem o quisesse ver ,era ir até à igreja do burgo onde papava missas, ou ao jardim de sua casa onde descansava os braços. Os repastos eram sóbrios, longe da azáfama de restaurantes bem caros que propalava, frequentar, aos quatro ventos. As viagens, em excursão, até á vizinha Espanha, cessaram, pese o facto, da sua Flor argumentar em vão, e ter que retomar os enredos, ainda frescos das novelas. Apenas alguns fins-de-semana à sua casa, no Porto, junto ao mar, continuaram.

E o Sates passou a ser um homem sorridente, pouco falador, apenas criticando o treinador do seu Porto, pois que o dirigente, ele nem se atrevia. Um homem profundamente mudado. Pio, ponderado, humilde, e de considerações sobretudo para com "tradicionais" que anteriormente parecia desafiar em adjectivos. Os menos protegidos, esses, enfim nunca o tinham embalado muito, nem no período de condescendência moral e espiritual. É que as semelhanças foram muitas ,e depois um homem também gosta de esquecer.

O tempo rolou. O homem curou-se. Hoje é vê-lo de novo na ponta da língua crucificando as gentes, as vidas, e os dinheiros alheios, na rapidez convulsa da sua verve. O Sr. Sates, possui aquela graça de ser muito portuguesinho, tanto que chega a doer a quem o ouve…

-Ah, eu não digo mal de ninguém, mas as verdades têm que ser ditas. Aquele filho…

Sejamos bons portuguesinhos, pois!









21 comentários:

Maria P. disse...

São deliciosos este pequenos (grandes) contos!

Beijinhos*

Gasolina disse...

Amei profundamente este texto. Comi os vocábulos como quem se sacia numa fruta há muito esperada na estação.

Pena que uns comam os figos, a outros lhe rebente a boca... mas as verdades são para serem ditas.

Tantos Sates pululam por essa vida fora...

Um beijinho Grande, Grande.

as velas ardem ate ao fim disse...

Delicioso.

(Que está tudo bem. O "castrol" está bom, não tenho ácido úrico, o PSA também tem os valores certos.- esta frase e genial)

bjinhos

Anônimo disse...

Eu adoro estes relatos. Há tantos Sates por aí. E ainda te digo mais: o meu pai tem uma verdade lá muito dele, que é esta: "Não se deve dizer mal dos outros. 'Tá bem que um gajo nunca se paga, que os outros são muitos a dizer mal da gente e nós, só um a dizer mal dos restantes. Mas que é muito feio, é!" Beijos!

un dress disse...

ser.

dentro da ilusão dos valores certos.

portugues.Mente...






beijO

Calimera disse...

Achei este texto fantástico.
Fez-me lembrar o antigo zé povinho.
Andam ainda por aí alguns Sates, e lá vão eles tomar uma pinguita que faz bem ao castrol.
Uma delicia :)
Beijinho

nOgS disse...

Goato da tua escrita inspirante. Parabéns!

Beijos

R. disse...

Minha querida,venha daí o próximo conto :)*

Confesso que estes teus textos me têm agradado cada vez mais,deliciosos!

um beijo

Gasolina disse...

Reli.
E descobri mais imagens, como retalhos dum quotidinao esgaçado.

Um beijo Mateso Azul

Mário Margaride disse...

Olá querida amiga!

Delicias-nos com estes textos fabulosos!

"-Ah, eu não digo mal de ninguém, mas as verdades têm que ser ditas. Aquele filho…

Sejamos bons portuguesinhos, pois!"

Gostei muito!

Beijinhos

Espaços abertos.. disse...

Portuguesmente falando ,coitado do Zé,no entanto existemtantos Zés com as arestas por limar!
Bjs Zita

CNS disse...

Delicioso este teu retrato feito de retalhos tão "portuguesinhos". Um beijo

gabriela rocha martins disse...

ehehehehehehehh
mais uma deliciosa caricatura do nosso Zé Povinho

.
.

não resisto à tentação ,miúda ,de começar a tratar.te pela "Bordalo Pinheiro" da escrita

.

um beijo!

Mateso disse...

Maria P.
Grata. Apenas uma frágil moldura de uma tela muito rica e forte chamada Povo.
Bj.
Gasolina,
É entre o Povo que se ouve o português das gentes , longe talvez dos livros manuseados por outras gentes.
Os termos, minha querida, são genuínos... eu bebo-os constantemente.
Bj.

Mateso disse...

As velas ardem até ao fim,
Apenas a expressão corriqueira das gentes que somos afinal...
Um beijo

Arion,
Ah, pois há.. e sempre ao nosso lado... É só abrir o ouvido e lá está a música...
Obrigada e beijo.

Mateso disse...

Ana,
Obrigada. Espero não desmerecer...
Um beijo

Vertigo,
Pois... vou tentar.
Um beijo

Gasolina,
De novo ,obrigada.
O nosso quotidiano esgaça-se sempre ao fim do dia, não será?
Temos que reinventar... sempre.

Mateso disse...

Un-dress,
Portuguesmente.

somos.

povo

e

gente.

Beijo

Mateso disse...

Calimera,
O Zé Povinho, digna peça , é entre muitas coisas ,a sátira superlativa de um povo , dito português.
Nós...
Beijo


Mário Margaride,
Obrigada.
Sejamos pois portuguesinhos, sempre.(no bom sentido, claro está)
Um beijo.

Mateso disse...

CNS,
Os retalhitos lá fizeram uma mantita... portuguesita...
Obrigada.
Um beijo

Entre linhas,
Coitado uma ova.. (perdoa) mas a língua dele não é para brincadeiras.. ai não, não.
Uma beijoca

Mateso disse...

Gabriela martins,
Ufff, Eu?
Mais non, ma chérie... mais non...
Simplesmente.. eu...sinha... portuga...
Obrigada pela híperbole...
Beijinho.

Abssinto disse...

Como sempre!

Muito portugu�s de facto! s� o nome do Sr. n�o parece muito luso:)